O presidente da Fundação Mo Ibrahim apontou, em Marrocos, o antigo Presidente cabo-verdiano, Pedro Pires, como “um herói” e um exemplo para outros líderes africanos pelo seu papel na introdução da democracia no seu país. No melhor pano cai a nódoa. Mo Ibrahim está (muito) mal informado.
“O problema com África é que não conhece os seus heróis, só conhece os maus líderes, os criminosos”, afirmou Mo Ibrahim, que intervinha no arranque do “Fim de Semana da Governação Ibrahim”, que decorre até domingo em Marraquexe.
Na sessão deste ano, estão presentes três antigos laureados do Prémio para a Excelência na Liderança Africana, atribuído pela Fundação Mo Ibrahim: os antigos Presidentes Joaquim Chissano (Moçambique), Pedro Pires (Cabo Verde) e Festus Mogae (Botsuana).
“São líderes que garantiram a paz, a democracia, que olharam pelos povos, que fizeram avançar os seus países”, disse.
Mo Ibrahim destacou o papel do antigo chefe de Estado cabo-verdiano na luta pela independência e pela introdução da democracia no país: “É um grande exemplo”, considerou.
“Em vez de olharem para a China ou América, olhem para Cabo Verde! Vejam como é que conseguiram”, apelou. Sim, olhar para Cabo Verde é um bom conselho. Mas idolatrar Pedro Pires revela uma operação de branqueamento.
Pedro Pires “veio de um movimento de libertação”, recordou, para acrescentar: “Em alguns países em África temos um problema como estes movimentos. Quando se torna um partido no poder e ainda age como um movimento de libertação, é um grande problema para a governação. E vemos isso à nossa volta”.
“Se calhar, talvez o Presidente Pires devesse viajar até à África do Sul e aconselhar as pessoas”, disse, ironicamente, arrancando gargalhadas entre a plateia.
Pedro Pires, continuou Ibrahim, “era comandante e estava mesmo a combater os portugueses”.
“Quando se tornou Presidente, o que é que ele fez? Ganhou a independência e por alguma razão estranha, decidiu que Cabo Verde devia ser um país democrático, devia permitir partidos da oposição, devia ter uma economia liberal, ter eleições. Depois, aconteceu uma coisa incrível. Ele perdeu as eleições. Conseguem acreditar?”, relatou.
Quando Pedro Pires perdeu as eleições foi viver para casa da mãe. “Eu perguntei porque é que não falou com alguns dos seus irmãos que constroem casas de 20 milhões com o dinheiro dos contribuintes”, afirmou, numa alusão a chefes de Estado africanos que vivem sumptuosamente.
“É um exemplo para nós. Quantas das nossas crianças sabem sobre Pedro Pires?”, questionou.
O prémio é anunciado anualmente, mas nem sempre tem vencedor, porque Mo Ibrahim considera que deve distinguir uma “liderança verdadeiramente excepcional”.
Desde 2006, o prémio distingue ex-chefes de Estado ou de governo africanos que cessaram funções nos três últimos anos civis após terem sido democraticamente eleitos e cumprido o seu mandato de acordo com a Constituição do país.
Desde 2006, apenas foi atribuída quatro vezes: Joaquim Chissano, Pedro Pires, Festus Mogae e Hifikepunye Pohamba (Namíbia), enquanto Nelson Mandela foi distinguido como vencedor honorário inaugural, em 2007.
A Fundação Mo Ibrahim dedica-se há dez anos a promover a liderança e a boa governação em África, e publica anualmente o Índice Ibrahim de Governação Africana, que recolhe mais de cem indicadores sobre todos os países africanos.
“Apenas pedimos estado de Direito, segurança dos cidadãos, desenvolvimento equilibrado, foco em educação com qualidade, saúde, respeito pelos direitos e pela dignidade dos cidadãos, independentemente do género, etnia, religião, orientação sexual. É muito razoável”, considerou o responsável.
O encontro em Marraquexe reúne líderes políticos, responsáveis de organizações multilaterais e regionais e representantes do mundo empresarial e da sociedade civil e pretende debater o tema “África num ponto de viragem”.
O outro lado de Pedro Pires
Em 2012 Pedro Pires chefiou a Missão de Observadores da União Africana às “eleições” em Angola. Estando à vista, por muito benevolentes e ingénuos que fossem os que se interessam por Angola, a possibilidade de fraudes na votação desse ano, nada melhor do que escolher um observador amigo e que, em 2001, ganhou as eleições presidenciais cabo-verdianas à custa de uma fraude.
No dia 16 de Junho de 2010, quando recebeu o seu homólogo e amigo da Guiné Equatorial, ficou a saber-se que o então presidente de Cabo Verde era cada vez mais apologista da entrada do reino de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo na Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
Na altura, os mais ingénuos estranharam que Pedro Pires tenha barrado os jornalistas quando estes, numa coisa a que se chama liberdade de imprensa, se aproximaram para chegar à fala com Teodoro Obiang.
Pedro Pires impediu as câmaras da televisão de filmarem a entrada para o veículo oficial que levou Obiang para a Assembleia Nacional, o que gerou manifestações de repúdio dos jornalistas, tal o ineditismo do gesto, que foi mostrado e comentado de forma crítica pela televisão local.
Segundo a Repórteres Sem Fronteiras, em 2009 Cabo Verde tinha caído do 36º para 44º lugar em matéria de liberdade de imprensa. Se calhar, na altura enquanto presidente, Pedro Pires entendeu que proteger um ditador é até uma qualidade, sobretudo petrolífera, que pode render muitos pontos.
Teodoro Obiang, que a revista norte-americana “Forbes” já apresentou como o oitavo governante mais rico do mundo, e que depositou centenas de milhões de dólares no Riggs Bank, dos EUA, tem sido acusado de manipular as eleições e de ser altamente corrupto.
Obiang, também ele amigo do “querido líder” do MPLA, chegou ao poder em 1979, derrubando o tio, Francisco Macias, foi reeleito com 95 por cento dos votos oficialmente expressos (também contou, como é hábito, com os votos dos mortos), mantendo-se no poder graças a um forte aparelho repressivo, do qual fazem parte os seus guarda-costas marroquinos.
Recorde-se que gozando, como todos os ditadores que estejam no poder, de um estatuto acima da lei, Obiang riu-se à grande e à francesa quando em 2009 um tribunal… francês rejeitou um processo que lhe fora intentado por recorrer a fundos públicos para adquirir residências de luxo em solo gaulês, com a justificação de que – lá como em qualquer parte do mundo – os chefes de Estado estrangeiros, sejam ou não ditadores, gozam de imunidade.
Pedro Pires e a corrupção
A corrupção é um fenómeno mundial e transversal e não um exclusivo do continente africano, afirmou em 21 de Novembro de 2015 Pedro Pires, defendendo também que, em África, é errado confundir um regime autoritário com um ditatorial.
Considerando a experiência de Pedro Pires, atente-se no que ele diz, nomeadamente a bem dos amigos.
Em entrevista telefónica a partir de Acra, capital do Gana, onde assistiu à entrega do Prémio Mo Ibrahim de Boa Governação a Hifikepunye Pohamba, antigo chefe de Estado da Namíbia, Pedro Pires – distinguido em 2011 -, admitiu, porém, que África perde anualmente 50.000 milhões de dólares com “actos ilícitos”.
“A corrupção não é um fenómeno africano. Às vezes, tem-se a impressão [de] que se quer atribuir só aos africanos o título de corruptos. A corrupção é hoje um fenómeno mundial e há algumas corrupções que me chocam, como entender o debate que se faz agora à volta da FIFA e de determinadas federações de atletismo”, exemplificou.
Só algumas corrupções é que chocam? Pois. Todos, sobretudo os africanos, sabem o que isso significa. Há, portanto, boas e más corrupções. Tudo depende de se saber quem as faz e quem delas beneficia.
Para Pedro Pires, antigo primeiro-ministro (1975/91) e ex-Presidente (2001/11), o fenómeno da corrupção é “transversal” e “abrange e chega a todo o lado”, pelo que, para o combater, é necessário também uma participação global.
“Hoje, em África, debate-se a questão dos chamados Fluxos Financeiros Ilícitos (FFI). África perde 50 mil milhões de dólares por ano em práticas que estão muito próximas da corrupção, como a subavaliação dos preços, a fuga ao fisco ou as isenções para se conseguir cada vez maiores lucros, e as transferências fraudulentas”, sustentou.
Pedro Pires alertou, por outro lado, para que “não se confunda” um regime autoritário com um ditatorial, que são questões “diferentes”.
São? Vejamos. “A boa governação não se limita aos resultados económicos, porque há, de facto, regimes autoritários que conseguem um bom índice de crescimento económico. Essa ligação entre a democracia e o desenvolvimento não é automática. Há que ver isso com alguma objectividade e perspicácia”, sustentou.
Cabo Verde e Angola
Desde 1975 Cabo Verde teve quatro presidentes da República: Aristides Pereira, António Mascarenhas Monteiro, Pedro Pires e José Carlos Fonseca e já conheceu cinco primeiros-ministros: Pedro Pires, Carlos Veiga, Gualberto do Rosário, José Maria Neves e Ulisses Correia e Silva.
Ao mesmo tempo, ou seja desde 1975, Angola teve dois presidentes da República (Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos). Quanto a primeiros-ministros, foram: Lopo Fortunato Ferreira do Nascimento, Marcolino Moco, Fernando José de França Dias Van-Duném, Fernando da Piedade Dias dos Santos (“Nandó”) e António Paulo Kassoma.
No contexto da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (mas não só), Angola dá lições de democracia a todos.
Façamos uma comparação com Portugal. Neste país acontecem coisas estranhas que, reconheça-se, nunca aconteceriam em Angola, embora possam acontecer – por exemplo – em Cabo Verde. Alguém, no seu são juízo, acreditaria que no país comandado desde 1979 pelo “querido líder” seria possível pender um dirigente do MPLA (nem sequer é preciso subir a um chefe do governo) sob a acusação de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção?
Mais do que ter, como acontece por cá, uma Lei da Probidade Pública, Portugal deveria – como acontece por cá – praticá-la. Dessa forma evitaria passar pelo vexame de ver um seu ex-primeiro-ministro, José Sócrates, ficar em prisão preventiva.
Como diz o nosso “escolhido de Deus”, essa lei constitui mais um passo para a boa governação, tendo em conta o reforço dos mecanismos de combate à cultura da corrupção. Ora tomem! Não há nada igual no contexto da CPLP…
Tivesse Portugal, Cabo Verde ou qualquer outro país da CPLP o mesmo presidente da República há 38 anos, sem nunca ter sido nominalmente eleito, e o mesmo partido no poder desde 1974, e nada disto aconteceria. As manias da democracia e dos estados de direito acabam sempre nisto.
Recorde-se que, por cá, a lei “define os deveres e a responsabilidade e obrigações dos servidores públicos na sua actividade quotidiana de forma a assegurar-se a moralidade, a imparcialidade e a honestidade administrativa”.
É bonito. Vejam Cabo Verde, Portugal e restantes países da comunidade internacional se aprendem alguma coisa, se aprendem como se constrói um Estado de Direito.
E de tal forma é assim que que nem os juízes se atrevem a pecar em pensamento, muito menos mandar prender um ex-primeiro-ministro, ou até um qualquer secretário provincial do… MPLA.
Tivesse Portugal essa mesma lei e, como acontece com Angola, não passaria pela vergonha de ver um seu alto dignitário político ser acusado de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção.
Portugal deve igualmente pôr os olhos cá na banda para saber que, de uma vez por todas, o poder judicial não pode ser independente, que o Presidente da República deve escolher o seu Vice-Presidente, todos os juízes do Tribunal Constitucional, todos os juízes do Supremo Tribunal, todos os juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da Republica, o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas e os Chefes do Estado Maior dos diversos ramos.